Ao som de:
https://www.youtube.com/watch?v=pgbUAylPOiI
O
PELO-DE-NEVE -. Conto de PjConde-Paulino.
*
Era
uma vez...Um cão de pelo branco com nuvens amarelas, num dia de
chuva, perdido na rua dos gatos. No quintal do Zé da Prosa havia
muitos gatos. Gatos brancos, pretos, cinzentos e uma gata amarela,
bonita: a Malhadinha. O talhante da aldeia gostava de ver os gatos
aristocráticos. Mas, naquela manhã de chuva, apareceu o
Pelo-de-Neve. Pensou: «Este território é dos gatos; que cão será
este, tão corajoso? Vou buscar a espingarda velha para o expulsar da
nossa terra». - O Pelo-de-Neve escutou o pensamento do Zé da Prosa
e fugiu.
O
talhante pensava alto; tão alto que os peixes do poço-frio sabiam o
seu pensamento, antes de baixar o garrafão de vinho branco com uma
corda, até às águas transparentes e frias do poço: o frigorifico
daquela rua, e da outra também.
O
Quincas gostava dos animais. Falava com eles, enquanto lhe passava as
mãos no pelo. Os gatos gostavam do Quincas e ronronavam à volta
das suas pernas. O Quincas era alto, para os gatos. Para os outros
meninos não era alto, era normal; um rapaz como os outros.
Naquela
manhã a chuva caía miudinha sobre as couves, as alfaces e nas
folhas do limoeiro da horta do Ti `Rato. O Quincas gostava da chuva
quente de Setembro. As aulas só começavam em Outubro. Escutou uns
passos apressados, diferentes:«Aqueles passos não são de gatos».
Segurou a respiração. Espreitou entre as tábuas do portão do
quintal de sua casa. Não viu nada. «Estarei com alucinações
auditivas»? Um vento forte veio do lado do ribeiro da amendoeira e
fez cair um feixe de lenha do bardo do quintal. Ali estava ele. Olhou
o Quincas. Baixou os olhos de cachorro perdido; meteu a cauda branca
com pequenas nuvens amarelas entre as pernas e ladrou baixinho,
quando sentiu a “festinha” no dorso molhado.
Quincas
ficou muito feliz. Tinha um novo amigo. Mas, a mãe não queria
animais lá em casa; a não ser a gata-Malhadinha, que era da
família, desde que nasceu.
O
leite das duas cabras para fazer os queijos, começou a desaparecer
da grande panela de esmalte. A mãe andava desconfiada. O Quincas
alimentava secretamente o Pelo-de-Neve com sopas de leite. Uma noite
o irmão mais velho do Quincas sentiu um cheiro estranho no quarto
onde dormiam os dois: «Que cheiro é este? Cheiras mal dos pés. Vai
lavar esses pés malcheirosos; ou então, vais dormir na cabana com
as cabras». Antes de acabar a frase, o mano viu uma cauda branca com
pequenas nuvens amarelas a abanar, ao lado da cama. Era o
Pelo-de-Neve. E agora?
A
irmã dos rapazes: a do meio, entrou no quarto e gritou:
- Mãeee
eles tem um cão no quarto.
- Caaala-te queres que o bicho te
morda? - disse-lhe o irmão mais velho, num sussurro.
- Vocês
não sabem que é proibido ter animais no quarto?
- Sim, mas este
é um cão mágico, - inventou o Quincas - tem poderes especiais.
-
Mentiroso, não tem nada. - resfolegou a menina.
- Está bem, mas
olha, vamos os três guardar segredo; é o nosso segredo,- disse o
mano mais velho. Ela concordou: Concordaram os três.
Os
pais acharam estranho aqueles segredinhos suspeitos.
- Aqui há
marosca. - disse o pai, naquela tarde de sábado - tão amiguinhos,
os três, ao mesmo tempo? Hum....O que achas disso minha esposa?
-
Eles pensam que me enganam. Anda aí um cão abandonado pelos
caçadores. E tu já sabes como é o Quincas. Ontem, quando estava a
varrer o chão do corredor, vi uns pelos de cão branco, fui varrendo
e, dentro do quarto havia um cheiro a cão. Ainda pensei: mas estes
meninos agora não se lavam? Depois vi o animal a rondar o quintal do
Zé da Prosa. Fiz contas: dois e dois são quatro. Marido, queres
tirar a prova dos nove?
- Quero, quero, estou muito curioso.
-
Oh “Zinha, vem falar com a mãe.- chamou a progenitora.
- Não
posso, mãe: estou a falar com eles.
- Mau, mas quem é aqui a
mãe? Eu ou tu?
- Oh, eles não me deixam ir...
- Xii, tão
pantomineira. - vociferou atrapalhado, o Quincas.
- Mãe, - falou
o mais velho - temos um assunto para falar com o pai e com a mãe.
O
pai sentou-se na pedra que dividia a estrada, da horta do vizinho. A
mãe sentou-se na pedra seguinte. As crianças aproximaram-se como se
fossem uma companhia militar: lado a lado. O Quincas sentindo-se
responsável deu um passo em frente e começou por dizer:
- Bem, é
assim...Tenho um cão.
- Tens um cão, de loiça? - Indagou o pai
como se não soubesse.
- Não, um cão de verdade, mesmo...mas não
é um cão normal, é...o mais inteligente do mundo. Pai, mãe, vão
ver que vão gostar muito dele. - A mãe fez uma cara muito séria e
disse-lhes:
- Mas os meninos não sabem que não quero animais cá
em casa? Quem vos deu permissão para trazerem um, sem a nossa
autorização?
- Oh mãe, mas ele é tão bonito, tão espertinho
- arriscou a menina - Prometemos que lhe damos banho. O mano vai ao
médico dos animais com ele. O Quincas dá-lhe a comidinha...
O
pai sentia tanta vontade de rir perante a representação sincera das
crianças. Mas lei é lei. E, lá em casa, existia esse principio
desde que o Quincas e os irmãos se esqueceram de dar água aos
gatinhos da vizinha Maria Jacinta quando ela e o marido foram de
férias. Os gatinhos faleceram com sede.
No
dia seguinte a mãe levantou-se cedo. Foi colher uvas com a comadre
Rosa, na pequena vinha herdada dos avós. Inesperadamente surge um
cão vadio: enorme, esfomeado e feio, a rosnar com raiva. As duas
mulheres tentaram afugentá-lo com paus e pedras; pior: ficou mais
enraivecido. Precipitou-se furioso, contra as duas comadres,
apavoradas.
Milagrosamente
surge o Pelo-de-Neve, sobre a cabeça da fera enraivecida,
ferrando-lhe os dentes no pescoço. Quase ao mesmo tempo a
gata-Malhadinha e os seus amigos, cravaram as unhas afiadas na cauda,
no dorso e nos calcanhares do monstro de quatro patas. No meio desta
luta titânica as mulheres refizeram-se do susto e conseguiram
expulsar o animal medonho. Saíram dali muito agradecidas aos gatos
aristocráticos e ao...O Pelo-de-Neve tinha desaparecido. Viram o
rasto das suas pegadas coloridas de sangue. Desapareceu no mato;
estava ferido...
O
trio de irmãos assim que soube do sucedido, partiu apressadamente,
na direção das vinhas. Depois de percorrerem muitos terrenos
bravios e os de cultivo, o Quincas parou e disse: « Já sei onde
está o Pelo-de-Neve. Está no pego da pedra na ribeira da Caridade.
Os irmão olharam para ele, deram-lhe uma palmada nas costas e
disseram em coro:« Vamos lá». Foram, e encontraram o amigo
lambendo as feridas junto das águas cristalinas sobre os seixos
polidos.
O
Pelo-de-Neve viveu em casa dos nossos amigos o resto da sua vida. Ah,
e foi o companheiro predileto da mãe do Quincas nos dias em que se
levantava cedo para trabalhar nos campos. O lema lá de casa ficou
até aos dias de hoje:« Os amigos são preciosos tesouros, guardados
no coração das nossas casas; e podem ser aristocráticos, ricos,
pobres mendigos, de todas as cores e raças!»
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*Conto
de- PjConde-Paulino- inspirado na vida real-