CASTELO ONDE TE SONHO POESIA

CASTELO ONDE TE SONHO POESIA

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Continuação de:
MANIÉRE ARGUTIEUSE, por PjConde-Paulino
Senhor, quando te vimos faminto, com sede, forasteiro, nu, enfermo, ou preso, e não te servimos?
Então o Rei responderá: Em verdade vos digo que, quando o deixastes de fazer a um destes pequeninos, a mim o deixastes de fazer
. Mateus 25:44-45



A TERCEIRA PESSOA

IV

As manifestações junto ao rio desembocando no Jardim da Praça do Império da bela Lisboa, sucediam-se naquele principio de verão. As pessoas andavam agastadas, descontentes com os políticos, com o mundo da finança, com os baixos salários, com a falta de emprego, com a mulher com o marido e a sogra. Acusavam os partidários rivais de serem más pessoas com falta de solidariedade para com os mais pequenos: os pobres, os doentes, os alienados da sociedade. Palavras de ordem por todos os lados. No entanto, os pobres, os coxos, os doentes, os velhos, os sem-abrigo, estavam ali mesmo, e ninguém era capaz de oferecer um abraço ou um sorriso amigo; ou, pelo menos, uma moeda nas mãos de quem nada tem além do velho e fiel cão sarnento, presente em cada noite de frio e naqueles dias quentes de fome.
 
Em contraponto, depois da turbulenta e brutal convulsão entre os elementos do universo interior, sentados no banco do jardim, os dois homens: o rico e o pobre, aparentemente siameses, estavam dentro duma cápsula invisível, como uma crisálida pura e protetora, cabalmente isolados do resto do mundo.
 
Outro mendigo chegou, descalço, com marcas nos pés; caminhava como se os seus pés não tocassem a relva mal cortada. Discretamente, pousou a sua mochila, gasta e já sem cor, no banco ao lado, debaixo da oliveira centenária; há quem diga que foi trazida de Belém da Galileia irmanando a Belém de Lisboa. O que sabemos é que a Terceira Pessoa pousou a cabeça na mochila e descansou sobre o banco, apesar da tempestade provocada pelo movimento contestatário da multidão de moabitas em desalinho, fustigadas pelas ondas do mar -morto de miséria humana. Entre a crisálida e o banco da Terceira Pessoa, existia um espaço muito curto: bastavam estender as mãos e podiam tocar nos pés daquela Pessoa que dormia numa paz profunda.
 
Subitamente surgiu do meio dos vários grupos contestatários a menina de cabelos de ouro, pele ebúrnea e olhos cor do céu azul de Lisboa; sorriu, tocou na crisálida invisível e falou sem abrir a boca para os dois homens aparentemente siameses: «Está na hora da transformação. Tem que nascer de novo pois os dois são um só. Olhem no olhar do outro: estendam as mãos e toquem nas marcas dos pregos da Pessoa que dorme no banco ao vosso lado.»
 
A Terceira Pessoa despertou a sorrir. O grupo das crianças passou por perto; um menino sentou-se ao lado da mochila sem cor e disse: «Sabes uma coisa? A minha avó tem uma "fotugafia" tua num quadro. Ela fala com a tua fotografia e conta-me histórias; queres contar-me uma história?» A mãe do menino ao vê-lo sentado ao lado do mendigo correu aflita e, puxando-o pelo braço, desapareceu entre as primeiras casas antes dos Pastéis de Belém.
 

To be Continued »»

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