CASTELO ONDE TE SONHO POESIA

CASTELO ONDE TE SONHO POESIA

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Continuação de:
MANIÉRE ARGUTIEUSE, por PjConde-Paulino

Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu; Apocalipse 3:17


 O REI MENDIGO
 
III

Efetivamente, depois de caminhar mais de mil e quinhentos metros, sentou-se num dos bancos do jardim de Belém, depois de ter passado pelo Jerónimos. A angustia povoara-lhe o pensamento sobrecarregado pela indefinição interior. Perdera os seus bens mais preciosos: a sua família. Era o rico mais pobre do universo. O seu olhar deteve-se num mendigo que se aproximara com um saco verde-sujo na mão direita e uma caixa de sapatos na outra. Ainda fez menção de se erguer e sair dali apressado; todavia uma força maior forçou-o a ficar quieto. Morava no homem que se aproximara alguma coisa que o incomodava. Não, não seria o seu aspecto maltrapilho. Não. Era algo mais profundo e indecifrável. Como se nele encarnasse o único que o podia acusar dos seus defeitos, e revelar o seu passado feito de muitos expedientes interesseiros. Sabia que, nesse momento, nem a sua “maniére argutieuse” lhe poderia valer. Na presença daquele sem-abrigo sentia-se nu e o mais miserável dos homens.

A pessoa chegou e sentou-se no lado disponível do banco do jardim, sem o olhar. Ele, que era sempre corajoso e "sem papas-na-língua”, não conseguia articular palavras como se estivesse perante o monarca mais importante do universo. No entanto estava na presença de um alienado, miserável, roto e mal cheiroso. Olhou-o pelo canto do olho: a sua postura era aristocrática e, de algum modo familiar, demasiado familiar. Viu um pequeno papel, dobrado e sovado, nas mãos do homem. Igual ao que ele tinha no bolso das calças. Ia jurar que era o mesmo. Meteu a mão esquerda no bolso e tirou o pequeno papel: exatamente igual; com as mesmas dobras: com a impressão digital cor de terra e suor num dos lados. Não era igual, não era uma cópia fiel, não. O mesmo papel estava, ao mesmo tempo, na mão do mendigo e na mão dele.

O Pedinte olhou para ele, sentiu-lhe o peso do olhar, respirou profundamente, arranjou coragem e viu pela primeira vez os olhos do Mendigo. O seu corpo estremeceu, a alma queria fugir e gemeu confusa, triturada pela surpresa da visão. Pensou: «Enlouqueci; perdi o juízo; isto não está a acontecer; não, não é possivel; devo estar a sonhar».



To be Continued »»»

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