CASTELO ONDE TE SONHO POESIA

CASTELO ONDE TE SONHO POESIA

quinta-feira, 31 de julho de 2014


MANIÉRE ARGUTIEUSE, por PjCondePaulino
 
I
 
Naquele dia o mundo girou, girou muitas horas além das vinte e quatro disponíveis. Nos últimos tempos, vivera d`une "manière argutieuse; sentia-se desiludido e defraudado com a pretensa ação, do Senhor Universal que dizem viver além das nuvens.
 
Os negócios nesses dias não lhe traziam nenhuma satisfação interior. A Imobiliarius estava em franco desenvolvimento; ganhou milhões de €uros em contraciclo com o mercado. Era olhado com admiração e alguma inveja; mas, a casa vazia ao fim da tarde entristecia-lhe o coração. Escutava os batimentos cardíacos, no compasso dos passos envernizados sobre o granito azul-lavrador do grande hall do prédio luxuoso; onde vivia, desde que perdera as pessoas mais importantes da sua vida. No elevador o som do piano invadia-lhe as células do corpo triste. Enquanto subia, andar após andar o seu olhar vagueava, através das vidraças, pela cidade com as primeiras luzes na ponte sobre rio Tejo. Notou um pequeno papel dobrado no chão do elevador, apanhou-o.

A fechadura codificada acendeu a luz verde, entrou e fechou a porta atrás de si. Ninguém o recebeu. Nenhuma voz. Nenhum olhar. O silêncio ensurdecedor fê-lo arrepiar pela ausência das vozes amadas. Deixou o casaco sobre o sofá vazio e a pasta dos documentos na mesa de vidro circular. Notou a jarra emoldurada por flores novas, ainda com a fragrância do jardim onde nasceram. Acariciou as pétalas e sorriu; através do tampo transparente viu o seu álbum favorito. Sentado no cadeirão de cor harmoniosa descalçou os sapatos pretos e arrancou a gravata do colarinho transpirado, da camisa alva. Exausto, fechou os olhos e a sua mente viajou até aos confins do grande Alentejo, onde nascera e fora tão feliz.

Depois do banho preparou uma sanduiche com duas fatias de pão integral. Meteu uma folha de alface, duas rodelas de tomate, frango desfiado, temperado com orégãos e um fio de azeite extra virgem, alentejano, oferecido pela mãe. Saboreou lentamente, intercalando com o sumo de laranja feito nessa tarde pela empregada, a Margarida.

De boxers e t-shirt sentou-se ao piano pela primeira vez, depois do acidente. Quando os dedos tocaram a superfície das teclas, tremeu e soluçou. O primeiro acorde da musica preferida da família ressoou pela sala...Chorou, chorou, chorou copiosamente, até adormecer de cansaço no grande sofá da sala.

Pareceu-lhe ouvir alguém a chamar. Era uma voz conhecida, suave, aconchegante como um abraço de ternura. Abriu os olhos estremunhado, tentou levantar-se, bateu com a perna na mesa de vidro e disse um palavrão. Estava só...Muito só. A dor na alma era terrivelmente dolorosa. Doía tanto. Morria de saudade. A vida escoava-se pelos dedos da solidão.

Estava a transpirar por todos os poros; bebeu pela garrafa a água que precisava para saciar a sede, descontroladamente insaciável. Olhou, voltou a olhar e viu; viu o pequeno papel dobrado, caído debaixo do piano. Abriu a folha de papel, os seus olhos abriram-se desmesuradamente. Não queria, não podia, não e não. Era impossível; ninguém, ninguém neste mundo poderia brincar maldosamente com o desgosto profundo do seu semelhante. Adormeceu na cama de almofadas de penas e desespero.

 

to be continued »»»

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