MANIÉRE ARGUTIEUSE, por PjConde-Paulino
Senhor, quando te vimos faminto, com sede, forasteiro, nu, enfermo, ou preso, e não te servimos?
Então o Rei responderá: Em verdade vos digo que, quando o deixastes de fazer a um destes pequeninos, a mim o deixastes de fazer. Mateus 25:44-45
A
TERCEIRA PESSOA
IV
As
manifestações junto ao rio desembocando no Jardim da Praça do
Império da bela Lisboa, sucediam-se naquele principio de verão. As
pessoas andavam agastadas, descontentes com os políticos, com o
mundo da finança, com os baixos salários, com a falta de emprego,
com a mulher com o marido e a sogra. Acusavam os partidários rivais
de serem más pessoas com falta de solidariedade para com os mais
pequenos: os pobres, os doentes, os alienados da sociedade. Palavras
de ordem por todos os lados. No entanto, os pobres, os coxos, os
doentes, os velhos, os sem-abrigo, estavam ali mesmo, e ninguém era
capaz de oferecer um abraço ou um sorriso amigo; ou, pelo menos, uma
moeda nas mãos de quem nada tem além do velho e fiel cão sarnento,
presente em cada noite de frio e naqueles dias quentes de fome.
Em
contraponto, depois da turbulenta e brutal convulsão entre os
elementos do universo interior, sentados no banco do jardim, os dois
homens: o rico e o pobre, aparentemente siameses, estavam dentro duma
cápsula invisível, como uma crisálida pura e protetora, cabalmente
isolados do resto do mundo.
Outro
mendigo chegou, descalço, com marcas nos pés; caminhava como se os
seus pés não tocassem a relva mal cortada. Discretamente, pousou a
sua mochila, gasta e já sem cor, no banco ao lado, debaixo da
oliveira centenária; há quem diga que foi trazida de Belém da
Galileia irmanando a Belém de Lisboa. O que sabemos é que a
Terceira Pessoa pousou a cabeça na mochila e descansou sobre o
banco, apesar da tempestade provocada pelo movimento contestatário
da multidão de moabitas em desalinho, fustigadas pelas ondas do mar
-morto de miséria humana. Entre a crisálida e o banco da Terceira
Pessoa, existia um espaço muito curto: bastavam estender as mãos e
podiam tocar nos pés daquela Pessoa que dormia numa paz profunda.
Subitamente
surgiu do meio dos vários grupos contestatários a menina de cabelos
de ouro, pele ebúrnea e olhos cor do céu azul de Lisboa; sorriu,
tocou na crisálida invisível e falou sem abrir a boca para os dois
homens aparentemente siameses: «Está na hora da transformação.
Tem que nascer de novo pois os dois são um só. Olhem no olhar do outro: estendam
as mãos e toquem nas marcas dos pregos da Pessoa que dorme no banco
ao vosso lado.»
A
Terceira Pessoa despertou a sorrir. O grupo das crianças passou por
perto; um menino sentou-se ao lado da mochila sem cor e disse: «Sabes
uma coisa? A minha avó tem uma "fotugafia" tua num
quadro. Ela fala com a tua fotografia e conta-me histórias; queres
contar-me uma história?» A mãe do menino ao vê-lo sentado ao
lado do mendigo correu aflita e, puxando-o pelo braço, desapareceu
entre as primeiras casas antes dos Pastéis de Belém.
To
be Continued »»
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